Citando o PhD Russell Barkley, aposentado Psicólogo Clínico, professor acadêmico e especialista que dedicou sua carreira ao estudo e pesquisa sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: “O TDAH é um transtorno de EXECUÇÃO, não de ATENÇÃO”.
O diagnóstico é difícil de ser feito, uma vez que se baseia em dados subjetivos fornecidos tanto pela família como pela escola, e não através de exames ou testes objetivos. É importante que se faça diagnóstico diferencial em relação a outros transtornos de ordem mental (como depressão e ansiedade), assim como uma adequada leitura do ambiente quando a criança se insere em rotinas pouco estimulantes e com baixas interações sociais pra sua faixa etária, além de estresse familiar, ou se lhe faltam nutrientes ou atividade física adequada, e até mesmo se há uso excessivo de telas ou vídeo game.
Tido como um transtorno neurobiológico de origem genética, manifesta-se na infância (com ou sem hiperatividade) e se arrasta até a vida adulta, impactando diversas áreas da vida.
A possibilidade de um subdiagnóstico (o que é realizado pela maioria dos profissionais por falta de conhecimento aprofundado no assunto) pode acabar aumentando as estatísticas deste transtorno, conforme oportunamente questionado pelo PhD Thomas Armstrong (Diretor Executivo do Instituto Americano de Aprendizagem e Desenvolvimento Humano) em seu livro “O Mito do TDAH Infantil”. Segundo este autor, existe um atual risco em se classificar como “doença” ou “transtorno” traços de crianças simplesmente “sonhadoras” ou “super agitadas”. Ele também critica a natureza negativa que se associa ao transtorno enquanto pessoas de sucesso (com traços de TDAH) direcionaram sua alta energia para se realizarem na vida.
Nos casos corretamente diagnosticados, o tratamento iniciado logo cedo ajuda a manter uma vida equilibrada e produtiva. E aqui encontramos a palavra central do TDAH nas pesquisas de Russell: PRODUTIVIDADE. Em todo o seu trabalho, ele percebeu que as pessoas não têm dificuldade em aprender, mas em EXECUTAR.
O TDAH enquanto disfunção (e não deficiência) é, na leitura de Russell, uma “cegueira temporal”. A pessoa sofre de uma desconexão entre o córtex pré-frontal (a área executora e de tomada de decisão no cérebro) e a área posterior do cérebro, que responsável pelo aprendizado. Nessa cisão, essas partes não se comunicam. É como se o cérebro dissesse: “não me importa o que ou o quanto você saiba, você simplesmente não vai aplicar esse conhecimento de forma prática”.
Essa “miopia do futuro” interfere na EXECUÇÃO no presente: o fazer aqui e agora! Neste transtorno, toda ação precisa de uma recompensa imediata, algo que o futuro não pode garantir por estar longe do agora…
Então a pessoa acorda animada, cheia de energia, pensa em tantas coisas pra fazer, se anima, mas vai se perdendo nas distrações que lhe trazem mais recompensas imediatas (com altas doses de dopamina) ao longo do dia e, no final, ela não fez nada daquilo a que tinha se proposto ao acordar. Assim, não se trata de um transtorno de atenção, mas de INTENÇÃO: a falta de foco em eventos mentais para a realização no futuro (de curto ou longo prazo).
Geralmente, as pessoas que sofrem com TDAH SABEM o que fazer. Não precisam ensinar a elas o que fazer: elas já sabem! O problema pra elas está em FAZER, em EXECUTAR.
Como chegamos até aqui?
Particularmente, até por falta de um diagnóstico objetivo, como psicóloga, observando as estatísticas, eu não acredito que em algumas décadas a humanidade tenha se tornado menos produtiva por uma questão exclusivamente “genética”. Pelo diagnóstico clássico, apenas 4% da população atual sofreria deste transtorno, mas os números crescem a cada dia e estão bem acima disso, com previsão de 1:6 ou 1:3 pessoas sendo afetadas muito em breve!
Fato é que os pesquisadores ainda não sabem dizer exatamente como esta epidemia (para além dos 4%, variando entre países) se instalou - se por fatores exclusivamente hereditários, culturais, químicos, alimentares, exposição a toxinas, sofrimento fetal, questões familiares, etc.
Apesar de eu não ter NENHUM traço de TDHA (de acordo com o questionário da Associação Brasileira do Déficit de Atenção), ainda assim há dias em que minha produtividade está baixa. E hoje, de acordo com as bíblias de tantos“gurus de produtividade”, parece que estamos cada vez mais “devendo”… Mesmo adultos que nunca tenham recebido um diagnóstico de transtorno de atenção, cada vez mais pessoas reclamam da falta de foco, de energia e de estratégias para serem produtivos.
Algo que devemos olhar para além de um rótulo é como o MEIO, especialmente nos últimos 20 anos, está o tempo todo tentando nos tirar do foco. A frequência e a intensidade de distração aumentou muito recentemente, especialmente com o advento das redes sociais, aplicativos de mensagens e até mesmo as notificações que recebemos frequentemente nos celulares, relógios e computadores.
Não podemos ignorar quanto avanço tecnológico ocorreu em tão pouco tempo sem que nossos corpos tivessem tido tempo hábil de adaptação. Todo mundo está meio que atrasado pra tudo!
Mas, CALMA! Existem alternativas...
Mesmo que o transtorno não seja clássico com necessidade de uso de medicação prescrita, existem alternativas comportamentais para quem já identificou o impacto que a baixa produtividade traz hoje (e, consequentemente, no futuro) para as diversas áreas da vida, como relacionamento, carreira, saúde, educação, finanças, lazer, etc.
Como quem sofre do transtorno de intenção não tem motivação interna, esta motivação precisa ser "externalizada" e "temporalizada".
Então vamos às opções de AJUSTES COMPORTAMENTAIS:
1. Motivação Externalizada: parte do tratamento comportamental é externalizar a motivação através de “campos visuais” e do “preenchimento do tanque da Vontade” (leia abaixo). Uma das formas de se fortalecer o estímulo visual é deixando visível PEQUENAS metas a serem atingidas.
2. A Pausa é Produtiva: pequenas pausas devem fazer parte da rotina. Quando se demanda uma atividade mais intensa do lobo frontal, em função da “miopia do futuro” e baixa recompensa momentânea, a pessoa pode desistir de realizar a atividade ou fazer várias outras coisas pra não ter que lidar com a tarefa em questão. Para crianças, recomenda-se uma pausa de 3 min a cada 10 min de atividade mental e, aos adultos, uma pausa de 10 min a cada 50 min de trabalho mental intenso. Não adianta forçar! As pausas fazem parte do processo de execução.
3. Foco na Respiração: a respiração consciente ajuda na autorregulação, mecanismo necessário para que a pessoa continue atingindo suas metas diárias.
4. Passos de Bebê: não adianta traçar metas grandes! É nas pequenas e minúsculas metas que se evolui.
5. Restringir o Uso de Redes Sociais e Mídia: coloque um alarme para quando o chegar o tempo que você considera saudável para estar nas redes (sejam elas Televisão, WhatsApp, Messenger, Facebook, TikTok, Instagram, LinkedIn, etc). E obedeça esse alarme!
6. Respeitar o Limite da Função Executiva: o córtex pré-frontal vai ter um limite de atuação. Isso significa que não adianta chegar do trabalho em casa e continuar trabalhando. Não adianta a criança chegar da escola e ir direto pra lição de casa. Isso funciona para quem está com a função executiva preservada, não pra quem já está dirigindo sem combustível. Primeiro, deve-se abastecer o tanque da Vontade antes de continuar dirigindo pela estrada.
E como preenchemos o TANQUE DA VONTADE?
• Recompensa, recompensa, recompensa! A técnica do vídeo game traz recompensa satisfatória imediata a cada pequena conquista, segundo a segundo, através da dopamina proporcionada pelo jogo. Por isso, pessoas com TDAH geralmente conseguem passar horas jogando, mas não estudando, lendo ou escrevendo - porque a recompensa desses três últimos (atividades importantes para o fortalecimento da intenção e da visão de futuro) é lenta e intangível. (Só pra deixar claro: vídeo game não é uma opção de recompensa para estes casos). Crianças precisam de recompensas através de emoções encorajadoras a cada pequena realização pra ajudar no direcionamento da energia. Não se trata em mimar dando muita recompensa, e sim dar o reforço positivo necessário para que ela entenda que aquela ação valeu a pena naquele momento e que, da próxima vez, ela vai investir mais ou o mesmo tempo ainda que a recompensa seja menor. Adultos precisam de recompensas. Caso não exista recompensa ou encorajamento externo, pratique por conta própria. A cada pequeno passo de bebê realizado, parabenize-se: anote num caderno, se dê uma estrela dourada no quadro da geladeira. Deixe CLARO a pequena meta que foi atingida. Além disso, pratique o diálogo interno positivo, ouvindo a sua voz reconhecendo e valorizando o que foi feito, por menor que tenha sido.
• 5 Minutos de Relaxamento: aquele relaxamento total, sem nenhuma cobrança por estar em outro lugar, ou com alguém, ou fazendo alguma outra coisa. Pode cronometrar e, enquanto o alarme não tocar, entregue-se ao relaxamento. O relaxamento de 5 minutos, assim como as pausas, faz parte do tratamento.
• Visualização de um Futuro Positivo: exercícios de imaginação demandam uma certa “organização mental”, então se tudo estiver muito bagunçado, talvez essa não seja a melhor estratégia. Mas se ela for possível de ser adotada, vale a pena investir nesta estratégia. Durante uma atividade de Execução (córtex pré-frontal), lembre-se de se colocar no futuro e se imaginar recebendo a recompensa do que está sendo feito AGORA. Pode ser por visualização ou através de um diálogo positivo interno consigo mesmo.
• Atividade Física: diária! Especialmente a aeróbia, que aumenta o “tanque da Vontade”. É de extrema importância e eficácia realizar um mínimo de atividade física todos os dias.
O tratamento comportamental é de extrema importância desde o início da diagnóstico. E, quanto mais cedo este for CORRETAMENTE feito, melhor o prognóstico na vida adulta, sendo possível viver normalmente.
Espero que este post tenha lhe agregado valor. Se achar que ele serve pra alguém, não hesite em compartilhar. Um forte abraço da Carolina (contato@carolinaioca.com.br).
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